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Os estranhos que há em nós

por Luciana Romagnolli

clique para ampliar clique para ampliarCena da peça Melhor ir mais cedo pular da janela (Foto: Cayo Vieira)

Um suspiro pesado a ressoar no escuro gera as primeiras imagens e sensações sobre um possível suicida no espetáculo escrito e dirigido por Leo Moita: “Melhor Ir Mais Cedo Pular da Janela”. Como se fosse uma forma de nascimento, o som inaugura e preenche o espaço cênico. Entre as sombras, vislumbra-se o homem e a mobília austera de uma sala. Um cenário que permanecerá imutável, enquanto os transtornos e as evoluções em torno da tentativa de tangenciar a morte acontecerão na fala do ator.

No trajeto ínfimo que ele cumpre sobre o palco, pontuando com seu deslocamento físico a transição de planos dramatúrgicos, sua fala se estilhaça em outras vozes. O monólogo se transforma em um diálogo travado no interior da consciência humana.

Assim, desencadeia o que se pode chamar de um estado esquizofrênico. Muito próximo à ideia de rompimento com as noções de eu e de identidade cultural que Roberto Alvim defende nas “Dramáticas do Transumano”, como uma alteridade radical. Numa frase da peça: “O mundo era essa outra pessoa estranha em nós”.

Como autor e encenador, Moita opta por bloquear a produção de imagens no campo visual. A estética da penumbra, associada ao trabalho de Alvim, impõe-se sobre o cenário quase intocado pelo corpo do ator, sugerindo um transbordamento da cena para além desse mundo cotidiano, morto em seu automatismo paralisante.

A encenação depende da virtuose do ator para se realizar. Val Salles domina e varia suas emissões vocais de modo a invocar um mundo do qual não se consegue ter pleno conhecimento, mas que instaura percepções sobre a vida e a morte por vieses insuspeitados. É da fala que todo o potencial imagético e sensorial brota, numa arquitetura linguística polissêmica e desestabilizadora dos sentidos, que não se fecha em uma lógica racional.

As vozes distintas (que, no texto original, previam dois atores em cena) estranham-se em fluxos de sentidos movediços, deixando o espectador cinestesicamente ligado àquele corpo e às modulações vocais, sem uma interpretação unívoca.

Por caminhos instáveis, Moita consegue essa desestabilização da ideia de uma consciência una ou centrada. E opera um descentramento da razão para fora do campo das relações sociais ou interpessoais.

A incisão que faz na subjetividade não é a dos sentimentos catalogados de um sujeito estável, mas uma cisão interna do ser e do outros, esses estranhos que o conformam. E aos quais dá voz.

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