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Crítica

Crítica: O Dia em que Nos Perdemos, por Luciana Romagnolli

Ao defender o resgate do convívio como privilégio do teatro em uma sociedade crescentemente midiatizada, o crítico argentino Jorge Dubatti o relaciona à experiência e à infância. Retoma, assim, a reflexão do filósofo italiano Giorgio Agamben sobre a experiência como algo só concebível “antes do sujeito” e “antes da linguagem”, ou seja, na “infância do homem”.

O Dia em Que Nos Perdemos

Para Agamben, a humanidade teria sido expropriada de sua capacidade de fazer e transmitir experiências desde o nascimento da Ciência Moderna, quando descartou o senso comum e atrelou a experiência ao conhecimento, tornando-a inviável. Por isso, o homem contemporâneo estaria “extenuado de eventos que não se tornam experiência”. E essa incapacidade é o “que torna hoje insuportável – como em momento algum no passado – a existência cotidiana”, diz o italiano.

Dubatti crê que a experiência do teatro, por ser fundada no convívio e, por isso, anterior à linguagem, permite perceber essa região da infância na vida adulta. Tal pensamento valeria para o teatro como um todo, como um princípio ontológico desta arte, mas pode ser especialmente refletido sobre um espetáculo como “O Dia em que Nos Perdemos”, apresentado na segunda noite da Mostra de Dramaturgia do Sesi-Teatro Guaíra.

Com texto de Léo Moita e direção de Talita Neves, a peça propõe uma experiência de infância, sem delimitar para si fronteiras de público. Na Mostra, apresentou-se a uma plateia adulta, mas o modo como se constrói acena para o diálogo com espectadores de menos idade. O diálogo com crianças e adultos se sustenta pela camada de nostalgia sobreposta aos jogos infantis. Assim como pela tematização da perda, tema reincidente em qualquer fase da vida.

A história da menina que se perde após ouvir fragmentos de discussão (dos pais?) pode simbolizar para o adulto um trauma não-elaborado, um momento de ruptura com algo que se foi, perdido na memória. O texto de Moita sugere esses possíveis sem escavá-los mais profundamente. A opção é por celebrar “um dia especial”, pelo jogo, pelo lúdico, pela brincadeira, que a perda apenas sombreia.

Contudo, a indefinição quanto à idade do público almejado torna-se problemática quando isola um ou outro espectador possível: a economia de gestos e gravidade nas primeiras falas precisaria ser testada diante de crianças; e a ingenuidade entusiasmada de diversos momentos retém os afetos numa chave infantilizada, afastando o adulto.

Ainda que promova ações festivas e intensificadoras do convívio, como uma guerra de almofadas e uma banda em cena, a peça enfrenta dificuldades em gerar experiência, advindas, em parte, de imprecisões na execução das cenas, das intervenções musicais e da qualidade de fala dos atores. O jogo de almofadas, por exemplo, afeta fisicamente o fôlego deles, prejudicando o entendimento do que dizem. Falta presença e mais consciência das intenções para que as cenas ao fundo do palco atravessem o espaço e afetem o espectador.

O Dia em Que Nos Perdemos

A música exerce protagonismo, é ela que dita o tom e os intervalos de falas, provoca os atores, comenta, interfere com humor e adiciona o inesperado à cena.  No panorama mais amplo da história da Mostra de Dramaturgia do Sesi, é um frescor que outros procedimentos cênicos caros à cena contemporânea brasileira (as partituras corporais sugestivas de imagens, a instauração de uma zona afetiva com o espectador, a abertura do espaço performático para fora do teatro) sejam arrolados em cena, ampliando os possíveis desta arte no contexto dos núcleos de formação. 

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